A Seção Raio-X acostumou-se a apresentar entrevistas com
grandes profissionais da imprensa e, para inovar, a 9ª edição traz JULIANA Emy
NAKAGAWA, 27 anos, que é gigante em seu profissionalismo, mas pequena em
estatura, fato que lhe rendeu o título de “nanorepórter”. Nascida em São Paulo
e moradora do município de Mogi das Cruzes há sete anos, a pequena notável
também está há sete anos nesta labuta diária de jornalismo. Juliana se define
como impetuosa e afirma que sempre tomou as principais decisões da sua vida
dessa forma, inclusive quando teve o ímpeto de vir ao mundo apenas com oito
meses de gestação, já inspirada pelo acaso e pelo inusitado.
Conheça um pouco mais dessa pessoa maravilhosa que tem um
senso elevado de indignação, o que acabou lhe rendendo uma bela gastrite. Ela também é dona
de um senso de humor negro aguçado e de uma predileção por crianças, além de acreditar
numa existência poética.
100C - Por que o jornalismo?
JN - Pela inabilidade com os números. O péssimo
rendimento em Exatas levou à inclinação para a escrita. Aos 11, tive uma redação
selecionada para um concurso interescolar, em São Paulo, onde eu morava.
Percebi que escrever era a saída. Inspirada pela Marina Amaral, uma das
fundadoras do Caros Amigos, conheci algumas redações, como a da Folha de S.
Paulo, e me fascinei pelo jornalismo logo na adolescência. Neste meio tempo,
sonhei com uma infinidade de coisas, como ser correspondente do Paquistão até
ser a moça do tempo do Jornal da Globo.
100C - Depois que você entrou para essa área, aonde você
já trabalhou e em que cargo?
Aonde você trabalha atualmente e há quanto tempo?
JN - Mudei para Mogi das Cruzes com 19 anos. Cheguei
direto para a redação de O Diário de Mogi, de onde os editores pacientemente
faziam mapas para que eu me localizasse na cidade. Comecei como estagiária do
Caderno A, passei a repórter de Cidades e terminei minha passagem pelo Diário
cobrindo basicamente política. Nestes sete anos, passei pela Rádio
Metropolitana, onde eu fazias as pautas. Também pela Rádio DS, onde eu fazia
reportagens sobre Mogi. Agora atuo como correspondente regional da Folha
Metropolitana, há um ano e meio. E como assessora de imprensa da Organização
Bio-Bras, há um ano.
100C - O jornalismo é exatamente aquilo que você
imaginava enquanto estudava? Por quê?
JN - Não. O jornalismo é bem diferente daquilo que se
estuda, principalmente porque a sociedade não é utópica, como a retratada em
sala de aula. Estuda-se ética, cidadania. Ah vá. Ensinam-se valores que
deveriam estar enrustidos debaixo da pele e não em palavras. Uma colega de
pós-graduação disse algo muito simples e objetivo: “Jornalismo é denúncia e
prestação de serviço”. O demais é especulação. Pura especulação, ao meu ver. Quer
escrever um texto bonito? Quer testar métricas novas para os parágrafos rimarem
como poema? Vai ser articulista, vai ser escritor, vai ser discípulo de Paulo
Coelho, vai ser poeta. Ou melhor, poeteiro. Jornalismo é outra coisa. É prezar
pela simplicidade, porque o texto simples consegue ser assimilado
independentemente de classe social. É informar os fatos em narrativa
descritiva, mas sem aquele discurso blasè de imparcialidade. É dar um pouco da
sua visão de mundo para construir outros mundos. E é por isso que eu não
acredito em jornalista que não tem o hábito de ler.
100C - Qual foi a pior e a melhor pauta que você cobriu?
JN - A pior sempre ainda está por vir, porque acredito
naquele clichê de que nada é tão ruim que não possa ficar pior. Uma das piores
da minha vida foi a morte do Totó, um assessor da Prefeitura de Mogi, meu amigo
particular. Tive de ir ao velório e escrever um texto, engolindo as lágrimas.
Neste dia eu tive vontade de escrever um poema, ao invés de uma matéria. Não
consigo pontuar qual é a melhor, não quero cometer o erro da injustiça.
Acredito que as melhores são as que a gente pode contar uma história de vida.
Eu me apaixonei por tantas pautas, ao longo desses anos, que não posso pontuar
somente uma.
100C - Se possível, destaque três colegas do jornalismo
na região que você admira o trabalho.
JN - Admiro o trabalho de gente que trabalhou comigo e
que eu aprendi a respeitar. Amanda de Almeida, do Diário, pela organização,
pelo senso de justiça e pela amizade mais irrestrita que já tive (e por sorte
ainda tenho). Evaldo Novelini, pela fome pelos livros e pelo infinito
conhecimento. Darwin Valente, por prezar pela simplicidade quase interiorana e
pela pureza de sentimentos. E Mara Flôres, pela incansável dedicação e
disponibilidade.
100C - O que é o jornalismo para você?
JN - Xi, acho que já prejudiquei essa pergunta com tanto
discurso acima. Jornalismo é social, não acredito em jornalista de redação,
recluso, quieto, sozinho. Jornalismo é a possibilidade de enriquecimento
pessoal pelo conhecimento da sociedade. O bom jornalista é curioso por
natureza. Sem o ímpeto da curiosidade, não se enxerga nada além do óbvio.
Jornalismo é fod@. Instiga seus sentimentos mais
obscuros. Te leva para o céu e para o inferno, se você quiser. É coisa para
quem tem algum desvio de sanidade, hahaha.
100C - O que você mais gosta e o que você mais odeia nas
pautas?
JN - Cada pauta é uma situação diferente. Gosto mais das
pautas que dão liberdade. Aquelas em que você pode desenvolver uma conversa,
trocar ideia mesmo. Seja com um artista, um desempregado ou um político. Ao
conversar, você percebe muita coisa, é uma experiência muito rica. O que eu
mais odeio é levar chá de cadeira. Apesar de ser muito bacana rever os amigos e
tudo mais, esperar é sempre muito complicado para quem corre contra o tempo.
100C - Qual foi a sua maior alegria e a maior decepção
com o jornalismo?
JN - A minha maior alegria foi encontrar gente que ainda
acredita em ideias utópicas. Que acredita em mudança, em revolução. Que usa o
jornalismo como ferramenta para fazer alguma coisa, ainda que mínima. Gente
acomodada me cansa, me entedia. A maior decepção talvez seja justamente essa. O
quanto os jornalistas estão cansados. Cansaço de seguir o sistema e escrever
algumas malfadadas linhas sem sentido algum. Cansaço da falta de união da
classe e dessa sensação terrível que é nadar sozinho e morrer na praia.
100C - Você tem alguma sugestão para o 100 Comunicação?
JN - Sim, eu sugiro que façamos mais rodas de discussão,
de temas variados. Acho que temos tanta gente que pode agregar com
conhecimento... Vamos fazer um churrascão da gente diferenciada, meu povo.
100C - Destaque um ponto positivo e um negativo do 100C.
JN - O ponto positivo é fomentar essa união entre os
jornalistas da região. Extremamente importante. Jornalismo é ferramenta social
e se não há interação social entre nós mesmos, o que dirá de nós com a
sociedade? O ponto negativo é que estamos ainda distantes e imersos em tanto
trabalho. Vamos levar o 100C como uma forma de entretenimento?
100C - O que você espera para o seu futuro profissional?
JN - Talvez eu seja demitida depois dessa. Mas vamos lá.
Eu espero sair desse sistema viciado de produção de matérias em escala
industrial. Eu já estou viciada neste sistema, não rendo mais. Passo por
constantes processos de reciclagem, que inspiram e renovam a fonte, mas o
resultado basicamente é o mesmo. Portanto, o que eu espero do meu futuro
profissional é algo fora das redações. Não sei exatamente o que, estou
aceitando sugestões. Não bato em velhos, não roubo e não vendo meu corpo. Do
resto, estou negociando até a alma.
Perguntas para quebrar o gelo:
100C - Conte duas ou mais situações engraçadas que você
passou durante as pautas.
JN - Acho que a clássica foi o cinema com o padre. Fui
escalada para ver o Código da Vinci com um padre da Igreja Católica. A ideia
era mostrar o que a Igreja pensava do filme, uma crítica ferrenha ao
catolicismo. Busquei o padre 18h, entrei na sessão e sentamos na segunda
fileira. Não comprei pipocas, porque julguei não ser necessário tanta
intimidade com o padre. Afinal, eu e o padre no cinema já me soava estranho por
si só. Lá pelas 18h30, ou seja, com uns 15 minutos de filme... olho para o lado
e o padre está roncando. Dorme intensamente. Mando um SMS para o celular do meu
editor, Darwin Valente, informando que o padre está dormindo no cinema. Recebo
a resposta: “Cutuca o padre”. Cutuquei o
padre. Nada. Me mexi na cadeira para que ele chacoalhasse. Nada. Resolvi
assistir o filme sozinha e depois contar tudo pra ele. Foi o que fiz. Ao final,
a única aspas que tive dele foi: “É tudo uma grande salada hollywoodiana”.
Teve também o dia da inauguração da Mogi-Dutra, em que o
fotógrafo Edinho Martins me salvou com uma garrafa de água gelada, para
enfrentar o sol escaldante. O senador Romeu Tuma, que Deus o tenha, olhou pra
mim e disse: “Filha, me dá um gole?”. Eu disse: “Claro”. E ele tomou a garrafa
inteira. A garrafa que nem tinha sido comprada com o dinheiro do povo!
Fiquei irritada. Ele agradeceu. Eu respondi: “De nada,
vereador”. Olhei para o lado, o amigo Evaldo Novelini estava rachando de rir,
dizendo: “Rebaixou o cara à escória”.
100C - Como você se sente se tornando uma celebridade,
sendo conhecida como a Garota 100 Comunicação?
JN - Me sinto pronta para distribuir autógrafos na rua.
100C - Graças ao 100C, você também passou a ser conhecida
como “nano repórter”, devido a toda essa (falta) de estatura. Como você vê
essas denominações “carinhosas” que lhe são oferecidas?
JN - Fico muito lisonjeada com tudo isso. E com o carinho
dos colegas de profissão, que sempre me olham com aqueles olhos de piedade e
pensam: “Deixa a Juliana na frente, coitada”.
Sou muito favorecida por todos. Agora começo a pensar que pode ser
também por respeito aos mais velhos, talvez.
100C - Qual é o seu segredo para estar sempre bem
posicionada nas coletivas de imprensa?
JN - O segredo para se posicionar nas coletivas é fazer
uma ceninha. Uma cara de dor, do povo te amassando... e contar com a piedade
alheia. Vale ressaltar que eu compenso toda minha pouca estatura com outras
coisas, do tipo: gritos, surtos de stress e derivados.
100C - O que é mais difícil de aturar? Uma pauta chata,
um belíssimo chá de cadeira, a queda da obrigatoriedade do diploma ou o
fotógrafo Ricardo Santo?
JN - Olha, a queda da obrigatoriedade do diploma me dói o
estômago. Mas aturar o Ricardo é tarefa árdua demais, reconheço. Na verdade, eu
até me divirto com ele. Agora, por exemplo, eu estou ganhando dinheiro em cima
dele, agenciando esse rostinho de rock star. Meninas maiores de 18 anos, entrem
em contato comigo.
100C - Deixe um recado para os alunos de jornalismo que
sonham em entrar nessa área tão amada e odiada ao mesmo tempo...rs
JN - Corram enquanto é tempo. Mentira. Tudo na vida é uma
questão de escolhas. Façam jornalismo, façam até jornalismo voluntário e
independente, esse é o mais genuíno de todos. O institucional e o
corporativismo só servem para pagar as contas. Mas indico que se casem com um cara rico. De
preferência engenheiro.
CONFIRAM as outras entrevistas no arquivo da Seção Raio-X.
Ronaldo, parabéns pela escolha... está simplesmente sensacional... fiquei aqui me deliciando com a entrevista e confesso que fiquei triste quando acabou, muito bom mesmo.
ResponderExcluirJornalistas como a Juliana estão em extinção, essa coisa do cansaço e muitas vezes falta de talento mesmo é algo muito comum nesse meio, bom... é isso... perfeito...
Amei essa entrevista. Sou suspeita em dizer que foi a melhor até agora (mas foi mesmo!).
ResponderExcluirA Ju é uma pessoa única! Amo de paixão!!!
Beijos, Juuu!
Gente, o pagamento pelos elogios são feitos depois do dia 20, só.
ResponderExcluirJujuba, como sempre, sensacional. Mas vou dizer o seguinte: eu sou contra a obrigatoriedade do diploma de jornalista. Porque diploma não é sinônimo de competência. Taí Darwin Valente - que não tem diploma de jornalista - para provar isso. E estão aí, também, um monte de (pseudo)jornalistas formados que são analfabetos funcionais, incapazes de entender uma pauta ou escrever uma nota que seja.
ResponderExcluirEu sou diplomada e acredito que os 4 anos que passei na faculdade de jornalismo foram a maior perda de tempo e dinheiro de toda a minha vida. Minha escola se chama Diário de Mogi. E, agora, Royalpixel. Isso e força de vontade para ir atrás das coisas, aprender, não desistir diante dos obstáculos (que foram, são e serão muitos).
Exigência de diploma de jornalismo é reserva de mercado. Só serve para quem não se garante.
Parabéns pela entrevista, a Ju é demais. Lendo a materia, parece q to vendo ela contando "os causos". Essa do padre quase morri de rir...kkkk
ResponderExcluirSucessooo pra vcs...
Beijos Ju...
Letícia Fregnani
Gente, muito chique tudo isso! Gargalhei com a do padre, tem coisa que só na Terra do Caqui...
ResponderExcluirO Ronaldo tá virando um "Marílio Gabrielo" de primeira. Muito boa esta entrevista. Me identifiquei muito com o que disse a Juliana em diversos pontos. E a do padre é impagável. Sensacional! Parabéns!
ResponderExcluirNão vou apanhar por um comentário super, mega, hiper atrasado, né?
ResponderExcluirAdoreiiiiiiii! Aprendi demais trabalhando com essa jornalista tão verticalmente prejudicada quanto eu!
Danielle Yura